terça-feira, fevereiro 07, 2006

Mensagem do Papa para o Dia Mundial do doente (11.02.2006)

MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI
POR OCASIÃO DO XIV DIA MUNDIAL DO DOENTE
A CELEBRAR-SE EM 11 DE FEVEREIRO DE 2006
EM ADELAIDE (AUSTRÁLIA)

Queridos irmãos e irmãs

No dia 11 de Fevereiro de 2006, memória litúrgica da Bem-Aventurada Virgem de Lourdes, vai realizar-se o XIV Dia Mundial do Doente. No ano passado, este Dia teve lugar no Santuário mariano de Mvolyé em Iaundé, e nessa ocasião os fiéis e os seus Pastores, em nome de todo o Continente africano, confirmaram o seu compromisso pastoral em prol dos enfermos. O próximo Dia realizar-se-á em Adelaide, na Austrália, e as manifestações culminarão com a Celebração eucarística na Catedral dedicada a São Francisco Xavier, incansável missionário das populações do Oriente. Em tal circunstância, a Igreja deseja debruçar-se com particular solicitude sobre as pessoas que sofrem, chamando a atenção da opinião pública para os problemas ligados às doenças mentais, que já atingem um quinto da humanidade e constituem uma verdadeira e própria emergência sociomédica. Recordando a atenção que o meu venerado predecessor João Paulo II reservava a esta celebração anual, também eu, caros irmãos e irmãs, gostaria de estar espiritualmente presente no Dia Mundial do Doente, para me deter e reflectir em sintonia com os participantes, sobre a situação dos doentes mentais no mundo e para solicitar o compromisso das Comunidades eclesiais, em vista de lhes manifestar o dócil testemunho da misericórdia do Senhor.

Em muitos países ainda não existe uma legislação a este propósito, enquanto noutros falta uma política definida para a saúde mental. Além disso, há que observar que o prolongamento dos conflitos armados em diversas regiões da terra, a sucessão das ingentes calamidades naturais e a difusão do terrorismo, além de causar um número impressionante de mortos, em não poucos sobreviventes têm gerado traumas psíquicos, por vezes dificilmente recuperáveis. Depois, nos países em que o desenvolvimento económico é elevado, na origem das novas formas de mal-estar mental os especialistas reconhecem também a influência negativa da crise dos valores morais. Isto aumenta o sentido de solidão, debilitando e até mesmo comprometendo as tradicionais formas de coesão social, a começar pela instituição da família, e marginalizando os enfermos, particularmente os doentes mentais, muitas vezes considerados como um peso para a família e para a comunidade.

Aqui, gostaria de prestar homenagem a quantos, de diversas maneiras e a vários níveis, trabalham para que não venha a faltar o espírito de solidariedade, mas que se persevere no cuidado destes nossos irmãos e irmãs, buscando inspiração nos ideais e princípios humanos e evangélicos.

Portanto, encorajo os esforços de todas as pessoas comprometidas a fim de que todos os doentes mentais tenham acesso aos cuidados necessários. Infelizmente, em muitas regiões do mundo os serviços destinados a estes enfermos resultam ser carentes, insuficientes ou em estado de desagregação. O contexto social nem sempre aceita os doentes mentais com as suas limitações, e é também por este motivo que se verificam dificuldades para encontrar os necessários recursos humanos e financeiros. Sente-se a necessidade de integrar melhor o binómio terapia apropriada e nova sensibilidade diante da dificuldade, de maneira a permitir que os agentes comprometidos neste sector vão mais eficazmente ao encontro daqueles enfermos e das respectivas famílias que, sozinhas, não seriam capazes de acompanhar adequadamente os parentes em dificuldade. O próximo Dia Mundial do Doente constitui uma circunstância oportuna para expressar a própria solidariedade às famílias com doentes mentais para cuidar.

Agora, desejo dirigir-me a vós, prezados irmãos e irmãs provados pela enfermidade, para vos convidar a oferecer ao Pai, juntamente com Cristo, a vossa condição de sofrimento, convictos de que cada provação acolhida com resignação é meritória e atrai a benevolência divina sobre a humanidade inteira. Exprimo o meu apreço a quantos vos assistem nos centros residenciais, nos Day Hospitals, nos Departamentos de diagnóstico e de cura, e exorto-os a prodigalizarem-se para que aos necessitados nunca venha a faltar uma assistência médica, social e pastoral respeitosa da dignidade que é própria de cada ser humano. A Igreja, especialmente mediante o trabalho dos capelães, não deixará de vos oferecer a sua ajuda, consciente de que está chamada a manifestar o amor e a solicitude de Cristo para com quantos sofrem e para com aqueles que cuidam dos doentes. Aos agentes pastorais, às associações e às organizações de voluntariado recomendo que ofereçam a sua ajuda, mediante formas e iniciativas concretas, às famílias com doentes mentais para cuidar, em relação aos quais formulo votos a fim de que aumente e se difunda a cultura do acolhimento e da partilha, graças também a leis adequadas e a planos de saúde que prevejam recursos suficientes para a sua aplicação concreta. Mais urgentes do que nunca são a formação e a actualização do pessoal que trabalha num sector tão delicado da sociedade. Em conformidade com a tarefa e a responsabilidade que lhe são próprias, cada cristão está chamado a oferecer a sua contribuição, para que a dignidade destes nossos irmãos e irmãs seja reconhecida, respeitada e promovida.

Duc in altum! Esta exortação de Cristo a Pedro e aos Apóstolos, dirijo-a às Comunidades eclesiais espalhadas pelo mundo e, de modo especial, a quantos trabalham ao serviço dos doentes para que, com a ajuda de Maria Salus infirmorum, dêem testemunho da bondade e da solicitude paterna de Deus. A Virgem Santa conforte quantos se encontram assinalados pela enfermidade e sustente aqueles que, como o Bom Samaritano, curam as suas feridas corporais e espirituais. Asseguro a todos uma lembrança na oração, enquanto de bom grado concedo a todos vós a minha Bênção.

Vaticano, 8 de Dezembro de 2005.
Pela CEAST
Pe. Tchombela
Secretariado de pastoral

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Mensagem de Bento XVI para a Quaresma de 2006 (02.02.2006)

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE O PAPA BENTO XVI PARA A QUARESMA DE 2006

«Jesus, ao ver as multidões, encheu-Se de compaixão por elas» (Mt 9, 36)

Caríssimos irmãos e irmãs!

A Quaresma é o tempo privilegiado da peregrinação interior até Àquele que é a fonte da misericórdia. Nesta peregrinação, Ele próprio nos acompanha através do deserto da nossa pobreza, amparando-nos no caminho que leva à alegria intensa da Páscoa. Mesmo naqueles «vales tenebrosos» de que fala o Salmista (Sl 23, 4), enquanto o tentador sugere que nos abandonemos ao desespero ou deponhamos uma esperança ilusória na obra das nossas mãos, Deus guarda-nos e ampara-nos. Sim, o Senhor ouve ainda hoje o grito das multidões famintas de alegria, de paz, de amor. Hoje, como aliás em todos os períodos, elas sentem-se abandonadas. E todavia, mesmo na desolação da miséria, da solidão, da violência e da fome que atinge indistintamente idosos, adultos e crianças, Deus não permite que as trevas do horror prevaleçam. De facto, como escreveu o meu amado Predecessor João Paulo II, há um «limite imposto ao mal, (…) a Misericórdia Divina» (Memória e identidade, 58). Foi nesta perspectiva que quis colocar, ao início desta Mensagem, a observação evangélica de que «Jesus, ao ver as multidões, encheu-Se de compaixão por elas» (Mt 9, 36). À luz disto, queria deter-me a reflectir sobre uma questão muito debatida pelos nossos contemporâneos: o desenvolvimento. Também hoje o «olhar» compassivo de Cristo pousa incessantemente sobre os homens e os povos. Olha-os ciente de que o «projecto» divino prevê o seu chamamento à salvação. Jesus conhece as insídias que se levantam contra esse projecto, e tem compaixão das multidões: decide defendê-las dos lobos, mesmo à custa da sua própria vida. Com aquele olhar, Jesus abraça os indivíduos e as multidões e entrega-os todos ao Pai, oferecendo-Se a Si mesmo em sacrifício de expiação.

Iluminada por esta verdade pascal, a Igreja sabe que, para promover um desenvolvimento integral, é necessário que o nosso «olhar» sobre o homem seja idêntico ao de Cristo. De facto, não é possível de modo algum separar a resposta às necessidades materiais e sociais dos homens da satisfação das necessidades profundas do seu coração. Isto deve ser ressaltado muito mais numa época como a nossa, de grandes transformações, em que nos damos conta de forma cada vez mais viva e urgente da nossa responsabilidade em relação aos pobres do mundo. Já o meu venerado Predecessor Papa Paulo VI com exactidão classificava os danos do subdesenvolvimento como uma subtracção de humanidade. Neste sentido, ele denunciava, na Encíclica Populorum progressio, «as carências materiais dos que são privados do mínimo vital, e as carências morais dos que são mutilados pelo egoísmo... as estruturas opressivas, quer provenham dos abusos da posse ou do poder, da exploração dos trabalhadores ou da injustiça das transacções» (n. 21). Como antídoto para esses males, Paulo VI sugeria não só «a consideração crescente da dignidade dos outros, a orientação para o espírito de pobreza, a cooperação no bem comum, a vontade da paz», mas também «o reconhecimento, pelo homem, dos valores supremos, e de Deus que é a origem e o termo deles» (ibid.). Nesta linha, o Papa não hesitava em propor, «finalmente e sobretudo, a fé, dom de Deus acolhido pela boa vontade do homem, e a unidade na caridade de Cristo» (ibid.). Por conseguinte, o «olhar» de Cristo sobre a multidão obriga-nos a afirmar os verdadeiros conteúdos daquele «humanismo total» que, sempre segundo Paulo VI, consiste no «desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens» (ibid., n. 42). Por isso, a primeira contribuição que a Igreja oferece para o desenvolvimento do homem e dos povos não se consubstancia em meios materiais nem em soluções técnicas, mas no anúncio da verdade de Cristo que educa as consciências e ensina a autêntica dignidade da pessoa e do trabalho, promovendo a formação duma cultura que corresponda verdadeiramente a todas as exigências do homem.

À vista dos tremendos desafios da pobreza de grande parte da humanidade, a indiferença e a encerramento no próprio egoísmo apresentam-se em contraste intolerável com o «olhar» de Cristo. O jejum e a esmola, juntamente com a oração, que a Igreja propõe de modo especial no período da Quaresma, são uma ocasião propícia para nos conformarmos àquele «olhar». Os exemplos dos Santos e as múltiplas experiências missionárias que caracterizam a história da Igreja constituem indicações preciosas quanto ao melhor modo de apoiar o desenvolvimento. Mesmo neste tempo da interdependência global, pode-se verificar como nenhum projecto económico, social ou político substitua aquele dom de si mesmo ao outro que brota da caridade. Quem age segundo esta lógica evangélica, vive a fé como amizade com o Deus encarnado e, como Ele, provê às necessidades materiais e espirituais do próximo. Olha-o como mistério incomensurável, digno de infinito cuidado e atenção. Sabe que, quem não dá Deus, dá demasiado pouco; como dizia frequentemente a Beata Teresa de Calcutá, a primeira pobreza dos povos é não conhecer Cristo. Por isso, é preciso levar a encontrar Deus no rosto misericordioso de Cristo: sem esta perspectiva, uma civilização não é construída sobre bases sólidas.

Graças a homens e mulheres obedientes ao Espírito Santo, surgiram na Igreja muitas obras de caridade, visando promover o desenvolvimento: hospitais, universidades, escolas de formação profissional, micro-empresas. São iniciativas que, muito antes de outras fórmulas da sociedade civil, deram provas de sincera preocupação pelo homem por parte de pessoas animadas pela mensagem evangélica. Estas obras apontam uma estrada por onde guiar também o mundo de hoje para uma globalização que tenha, ao centro, o verdadeiro bem do homem e conduza assim à paz autêntica. Com a mesma compaixão que tinha Jesus pelas multidões, a Igreja sente hoje também como sua missão pedir, a quem tem responsabilidades políticas e competências no poder económico e financeiro, que promova um desenvolvimento baseado no respeito da dignidade de todo o homem. Um indicador importante deste esforço há-de ser a liberdade religiosa efectiva, entendida como possibilidade não simplesmente de anunciar e celebrar Cristo, mas de contribuir também para a edificação de um mundo animado pela caridade. Há que incluir neste esforço também a efectiva consideração do papel central que desempenham os autênticos valores religiosos na vida do homem enquanto resposta às suas questões mais profundas e motivação ética para as suas responsabilidades pessoais e sociais. Tais são os critérios sobre os quais os cristãos deverão aprender também a avaliar com sabedoria os programas de quem os governa.

Não podemos esconder que foram cometidos erros ao longo da história por muitos que se professavam discípulos de Jesus. Não raramente eles, confrontados com problemas graves, pensaram que se deveria primeiro melhorar a terra e depois pensar no céu. A tentação foi considerar que, perante necessidades urgentes, se deveria em primeiro lugar procurar mudar as estruturas externas. Para alguns, isto teve como consequência a transformação do cristianismo num moralismo, a substituição do crer pelo fazer. Por isso, com razão observava o meu Predecessor, de venerada memória, João Paulo II: «A tentação hoje é reduzir o cristianismo a uma sabedoria meramente humana, como se fosse a ciência do bom viver. Num mundo fortemente secularizado, surgiu uma gradual secularização da salvação, onde se procura lutar sem dúvida pelo homem, mas por um homem dividido a meio, reduzido unicamente à dimensão horizontal. Ora, nós sabemos que Jesus veio trazer a salvação integral» (Enc. Redemptoris missio, 11).

É precisamente a esta salvação integral que a Quaresma nos quer guiar, tendo em vista a vitória de Cristo sobre todo o mal que oprime o homem. Quando nos voltarmos para o Mestre divino, nos convertermos a Ele, experimentarmos a sua misericórdia através do sacramento da Reconciliação, descobriremos um «olhar» que nos perscruta profundamente e que pode reanimar as multidões e cada um de nós. Esse olhar devolve a confiança a quantos não se fecharem no cepticismo, abrindo à sua frente a perspectiva da eternidade feliz. Portanto, já na história – mesmo quando o ódio parece prevalecer –, o Senhor nunca deixa faltar o testemunho luminoso do seu amor. A Maria, «fonte viva de esperança» (Dante Alighieri, Paraíso, XXXIII, 12), confio o nosso caminho quaresmal, para que nos conduza ao seu Filho. De modo particular confio a Ela as multidões que, provadas ainda hoje pela pobreza, imploram ajuda, apoio, compreensão. Com estes sentimentos, a todos concedo de coração uma especial Bênção Apostólica.

Vaticano, 29 de Setembro de 2005.

BENEDICTUS PP. XVI